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ASS: Pescador de Sonhos



sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Vidas literalmente opostas

Olá, eu sou um antigo pobre cachorro de vários nomes, como Fido, Rex, Monicão, enfim, são tanto que, se eu falasse todos a vocês, consumiria no mínimo uma folha destas. Isso aconteceu por eu ser sempre jogado fora pelos meus donos humanos, mas prefiro ser chamado de pelo meu nome atual, que em minha opinião é o mais bonito, Manchado. Agora eu vou contar para vocês como eu o consegui, se prepare, por que esta história não é para qualquer um.
Lá estava eu com minha vidinha dita fácil, num dos bairros que eu mais gosto, o Cemitério de Boi, que ganhou esse nome devido ao grande número de açougues nele presentes, não sei como eles viviam com a concorrência, mas isso não vem ao caso agora.
Entrei no açougue do único humano de quem gostava: o Matador ou Mané para os menos íntimos (até que ele era igual a mim, tinha mais de um nome). Só que para a minha surpresa o Rafinha, meu futuro dono, e sua mãe estavam lá. Nunca gostei da presença dos dois naquele açougue, mas era lá que eles incansavelmente faziam suas despesas.
Sua mãe comprou um belo pernil temperado, refogado e pré-assado, era só esquentar um pouquinho, mas pra mim nem precisava. Por causa da minha fome e com aquele pernil dançando na minha frente, nem prestei atenção nas pelancas que o Matador jogara no chão e, sem querer, segui o Rafa e sua mãe até o carro deles, só que aquela chata da dona Filó não me deixou nem olhar a cor do carro e já foi jogando pedras em mim e o Rafa nem se mexeu, mas como? Com a sua mãe, ele não se metia. Comecei a latir de raiva.
Minha raiva foi tanta e meus latidos foram tão fortes que cheguei a acordar uma borboletinha brilhante que escreveu no céu com uma letra mais bonita que esta que você vê agora. Nelas dizia:
_ Um será outro, outro será um, cachorro será gente e vice-versa, até aprender a conviver e essa é a promessa.
No mesmo instante que acabei de ler, me senti estranho, olhei para o lado e vi dona Filó, só não a ataquei, porque um negócio me prendia, me controlei, olhei para o outro lado e vi o Rafa num quadradinho fora de onde eu estava e achei tão engraçado que comecei a dar risada. O Rafinha fazia todo o movimento que eu fazia, até na risada. Aquela mulher chata me perguntou o que estava acontecendo comigo, mas eu estranhei ela me chamar de Rafael até que me olhei e levei um susto: eu era realmente o Rafael, dedos sem pêlos e garras, cabelos loiros, olhos azuis, eu estava corretamente sentado numa poltroninha macia e um cinto de segurança me prendia, fiquei calmo e lembrei da borboleta; nisso dei um grito:
_ Dona Filó! Me leva pra casa.
Ela se assustou também, não entendeu nada e quase se descontrolou do carro e me prometeu que quando chegássemos em casa, eu levaria uma surra. Eu não queria nem saber, só queria voltar para o Cemitério de Boi, fiquei gritando a viagem inteira até que paramos no bairro Carrocinha, o que me apavorava, cachorro só entrava lá de coleira e nome no pingente. Fiquei com muito medo, mas lembrei que nada me aconteceria, eu era humano naquela hora, mesmo que eu não gostasse, eu era humano.
Saí do carro de quatro pés, dona Filó já me pegou pelo cangote e me levou para o quarto, eu achei que era o do Rafa, mas não era. Ela abriu o guarda-roupa e me deu uma cintada falando:
_ Não era isso que você queria, já está em casa, agora vai para o quarto.
Mesmo sem saber onde o quarto era me encontrei na casa, mas também vasculhei tudo, até chegar à porta do quarto que estava escrito “Cães raivosos! Não entre”. Achei engraçado, entrei e achei mais engraçado ainda, os tais cães eram miniaturas, tinha cachorro até no edredom. Enganei-me, não eram todos os homens que não gostavam dos cães, um exemplo era o Rafa.
Quando veio o Rafa na minha cabeça me lembrei da borboleta e de sua frase. Segundo ela, cachorro seria gente e vice-versa. Realmente eu não sabia o que era vice-versa, apesar de “culto”, eu não sabia, tinha que achar alguém para me explicar essa expressão, contanto que esse alguém não fosse a dona Filó. Andei mais um pouco pela casa e encontrei a Maria, que descobri ser a irmã mais velha do Rafael. Logo que eu perguntei o que significava ela começou a rir sem parar até me xingar de burro, apesar de eu ser um humano, porém ainda respondeu que era em sentido inverso.
Após a sua explicação, apesar de ter sido meio confusa, troquei as palavras: cachorro será gente e gente será cachorro. Nisso corri para a cozinha, mandar dona Filó me levar para o Cemitério de Boi, dando-lhe como desculpa que eu queria um doce que tinha visto no açougue do Matador. Ela, ainda brava e sem entender nada, pergunta:
_ Quem é esse tal de matador moleque dos diabos?
Eu disse que era o Mané onde ela comprara o pernil. E ela disse:
_ Só amanhã, amanhã.
Eu fiquei desesperado e perturbando “minha mãe” (hoje é assim que a chamo), querendo ir para o meu bairro querido, tendo sempre na cabeça o Rafael, como ele iria fazer pra ficar um dia inteiro sozinho naquele bairro. Com isso só ganhei outra surra, porém ainda iria para o Cemitério de Boi, no próximo dia.
Fiquei a tarde inteira deitado naquele quarto observando os cães nas prateleiras, os hidrantes que serviam como escoras para uma mesa com o formato de um disco, ossos desenhados para todos os lados, tudo parecia realmente o mundo dos cães, mas o meu pensamento estava todo voltado para o Rafa, todos dizem que vida de cão é vida fácil, porém não é bem assim e ainda mais se for um cachorro de rua. Esta era a única coisa que habitava a minha consciência até que Maria da um berro na porta do quarto:
_ Rafael! Seus amigos que vão passar a noite com você já estão lá embaixo te esperando.
Foi como se um trem tivesse me atropelado, estava sem sentidos, sem ação, não sabia o que fazer, mas não tive outra escolha, tinha que passar noite inteira com eles, mesmo não sabendo como é que se fazia isso. Quando cheguei até eles foram logo me cumprimentando e me dizendo tudo que iam fazer, sorte a minha que eles já tinham uma listagem desse “tudo”. Foi muito divertido passar a noite com eles apesar de eu não entender nada do que eles diziam, era brôu de um lado, mano do outro, uma loucura só. Dormi tarde e logo acordei, “meus” amigos já tinham ido embora e eu fui correndo acordar dona Filó. Ela me levou para o Cemitério, com raiva, mas levou. Eu só pensava em como fora dura a minha vida humana e como também foi difícil a vida de cão do Rafa. Quando lá chegamos, eu vi meu corpo feliz pulando no colo do Matador e dei um grito:
_ Rafael!
Ele olhou para mim nele e pulou do colo do Mané correndo e correndo na minha direção e eu na dele. Quando nos tocamos um relâmpago de luz e brilho caiu do céu que estava mais limpo e azul que o próprio oceano, eu olhei para cima e vi o rosto do Rafinha olhando com lágrimas a minha face e desse dia em diante passei a ser chamado de Manchado, o cão que foi gente.

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