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ASS: Pescador de Sonhos



segunda-feira, 14 de março de 2011

manuscrito de um louco (adaptado)


Sim! — de um louco! Como essa palavra não me teria gelado o coração muitos anos atrás! Como não teria despertado o terror que costumava acometer-me por vezes, fazendo com que o sangue me zunisse e latejasse nas veias, até que o frio orvalho do medo me cobrisse de gotas enormes a pele, e meus joelhos se pusessem a bater um contra o outro, de susto! Entretanto, gosto dela agora. É uma linda palavra. Mostrai-me o monarca cujo cenho carregado tenha sido alguma vez temido como o brilho dos olhos de um louco — cuja corda e cujo machado tenham a metade da firmeza das garras de um louco. Ho! ho! É esplêndido ser louco! Ser contemplado, por entre as grades de ferro, qual um leão feroz — rilhar os dentes e uivar no silêncio das noites sem fim, ao alegre tilintar de uma pesada corrente —, e rolar e estorcer-se sobre a palha, transportado por tão heróica música. Um hurra ao manicômio! Oh! Que belo Lugar!

Lembro-me dos dias em que temia ficar louco; em que costumava despertar sobressaltado e cair de joelhos e rezar para ser poupado à maldição de minha raça; em que, fugindo aos espetáculos de alegria e felicidade, ia-me ocultar nalgum lugar solitário e passava as horas tediosas observando o progresso da febre que me consumiria o cérebro. Sabia que a loucura estava no meu próprio sangue e na medula dos meus ossos!; que uma geração se passara sem a pestilência dar sinal de si e que eu seria o primeiro em quem ela haveria de reviver. Sabia que deveria ser assim: que assim sempre fora e assim sempre teria de ser; quando me enfiava nalgum canto obscuro de uma sala cheia de gente e via os homens murmurarem, apontarem-me com o dedo e voltarem os olhos para mim, sabia que falavam entre si do louco predestinado; fugia, então, novamente para cismar na solidão.

Fiz isso durante anos, longos, longos anos. As noites aqui são longas por vezes — muito longas; mas não se comparam àquelas noites inquietas, cheias de sonhos terríveis. Gela-me o sangue só de recordá-las. Grandes formas torvas, de rostos maliciosos e zombeteiros, povoavam os cantos do quarto e inclinavam-se sobre o meu leito, à noite, tentando-me para a loucura. Diziam-me sussurrantes que o chão da velha casa onde meu pai morrera estava manchado pelo seu sangue, derramado pelas suas próprias mãos durante os ataques de loucura furiosa. Eu tapava os ouvidos, mas elas gritavam-me junto à cabeça, até que o quarto todo ressoasse que na geração anterior a ele a loucura não se manifestara, mas que seu avô passou anos com as mãos agrilhoadas ao solo, a fim de evitar que se espedaçasse a si mesmo. Eu sabia que diziam a verdade — sabia-o bem. Descobrira tudo anos antes, Embora tivessem tentado ocultar-mo. Ha! ha! aquele a quem julgavam louco era esperto demais para eles.

Finalmente, a loucura se apoderou de mim e eu me admirei de havê-la sempre temido. Poderia ingressar no mundo, agora, e rir e gritar como todos os homens. Eu sabia estar louco, mas eles nem sequer suspeitavam disso. Como me deliciava ao pensar na bela peça que estava a pregar-lhes; haviam-me apontado e espreitado, julgando que eu não estivesse ainda louco, mas em vias de endoidecer. E como eu me ria alegremente, quando, ainda com aquela voluptuosidade convidativa, as mocinhas na praça me olhavam. Podia desejá-las, desejar aquele corpo junto ao meu, deslizando e trajando-me em peles, deixando que de um beijo longo minhas mãos alisassem sua alvez dos pés ao pescoço e aí o fim, o de uma noite e de uma vida.

Mas o que era enfim uma vida? Antes de meu destino genético vir à tona eu via a vida como algo entre o nascer e o morrer, já nesta minha condição de sanidade nem tudo se diferia, uma vez que ainda era algo entre o nascer e o morrer, entre o parto e a morte prematura entre meus dedos e enfrente aos meus golpes.

Já não havia vida sem isso, nem minha nem de todos os outros ao meu redor. Aliás, esses outros, sempre só tiveram vida por minha causa. Eram apenas parasitas dispersados pelo tronco de minha árvore genealógica, chego a pensar que são a causa da mácula que fere tal árvore que ferira meu pai, bisavô e outros antecessores meus, que fere deliciosamente a mim.

Talvez por isso não os odeie tanto, somente tinha aquele ódio comum de louco, ódio que ataca até a própria sombra, se não a si próprio.

Contudo havia uma família que me embebia em cóleras. Enquanto a maioria das pessoas da cidade não passava de reles ervas daninhas que se aproveitavam da sombra e do húmus que minha árvore produzia, quando muito orquidáceas que usavam o tronco como apoio, aquela família era a parasita-mor que sugava da nossa seiva como se somente ali tivessem algum sustento.

Por tal motivo não éramos simplesmente banidos da cidade. Servíamos a ela até o nosso destino apoderar-se do nosso consciente, ou melhor, do nosso subconsciente uma vez que mesmo já louco, pelo menos eu, ainda sabia ocultá-lo deles.

Mas meus níveis subiam a cada noite, a cada conversa com as entidades, as quais já os apresentei. Apresentei, mas como formas torvas, sim eram torvas e ainda tinham formas, elas eram três: uma tinha olhos enormes e fundos tanto que pareciam não existir, mas eles estavam ali presentes fitando o meu progresso como um mestre, o aprendiz; a outra possuía asas que uivavam a cada bater fora isso mostrava-se normal, tanto quanto eu; já o último se mostrava o mais tenebroso deles, era a loucura em persona, ela possuía olhos amarelo-esverdeados com várias veias saltando-lhe afora, seus dentes pareciam serrotes que foram deixados na praia e que a maresia fez o favor de cobrir com uma crosta de ferrugem, ele sempre andava curvado apesar de não ser corcunda, pelo contrário tinha uma coluna deveras boa que se contorcia a cada movimento escandaloso que ele fazia, seus ossos eram perfeitamente visíveis e se percebia que somente eles o dava uma força descomunal.

Eram eles que de simples aparições tentadoras passaram a professores de um louco noviço, mas já adiantado em matérias de loucura.

Pouco a pouco minha sanidade se tornava apenas uma máscara que ia a cada dia ficando transparente até o momento em que minha loucura tomasse conta de mim

Contava os dias para isso, mas não queria apressar, sabia que perder a sanidade repentinamente me deixaria descontrolado ao ponto de eu não poder desfrutar do meu estado, não poder usar isso na vingança que estava a tramar com a ajuda de meus três mestres.

Clara era linda, minha loucura me deixava atestar isso, como o nome eram seus cachos que desciam perolando a cada infindável volta, seu rosto angelical contrastava-se no meu quando os nossos olhares se cruzavam e se desviavam como presas furtivas ao ataque do predador

Sim era linda, mas pertencia à família de parasitas a qual eu queria a todo custo destruir, nem que para isso precisasse enjaular meu outro eu por algum tempo.

Aos poucos fui me aproximando da menina, que se afastava assim que podia, contudo eu me aproximava de modo que seu irmão percebesse que eu estava mostrando interesse por ela.

Feito isso a primeira parte do plano se concluía. Estava prestes a desposar Clara, que obrigada pelo seu irmão aceitou meu pedido como um gênio, o de seu amo.

Pensei sim que seria fácil, mas nunca pensara que a ganância daquela família seria tanta ao ponto de entregar tão desesperadamente um de seus frutos às mãos de um possível futuro louco.

Dia do casamento, cadeiras à esquerda convidados da noiva, à direita toda a cidade de ervas daninhas e três lugares vazios. Vazios aos ditos olhos sãos, porque aos meus ali residiam meus três mestres, talvez pela primeira vez a me aparecerem em público.

Algumas lágrimas caíram, sendo as da noiva as mais numerosas, ainda mais quando após o soluçoso sim viramo-nos e lá ao fim do tapete vermelho um homem feito fitava os olhos de minha agora esposa e como ela se lavava em lágrimas das quais me orgulhei ter feito serem derramadas.

Lua-de-mel não a obriguei a nada, sabia que se caso o fizesse perderia o controle, somente dormimos, ou melhor, deitamos lado a lado, ela sempre temendo pelo pior e eu querendo o meu melhor. Nesta noite as três entidades não me apareceram, creio que não quiseram estragar nosso plano.

Aguentei essa vida durante alguns anos sempre controlando minha loucura inevitável, queria saborear aos poucos minha transformação até o ponto máximo, até as jaulas da minha sanidade enferrujarem e cederem por completo, deixando a minha fera interior livre de todas as correntes que a civilização lha impunha.

E como numa mostra do quão poderosa poderia ser tal fera, aquela noite veio à tona.

Minha esposa disse querer ir visitar seu irmão e a deixei, era logo pela manhã e ela almoçaria e jantaria por lá. Talvez quisesse chorar ao crápula por tê-la deixado casar-se comigo, como às vezes fazia consigo mesma quando chegava a noite.

Aproveitei-me de sua ausência para exteriorizar minha loucura a fim de acalmar a besta inquieta, e dispensando a criadagem fui ter minhas aulas, das quais me ausentei por muito tempo.

O dia passava e meus gritos reclusos chocavam-se contras as paredes da mansão e ali ecoavam de modo a permanecerem dentro do prédio presos como aquele animal selvagem que eu me tornava hora a hora.

E à noite ela chega, percebe o silêncio, mas nele não se sente mal, afinal já anoitecera há tempos, todos haviam de ter ido dormir.

Ainda mansamente meus amarelados olhos a seguia naquela quietude da casa, seus pés subiam calma, mas desconfiadamente, cada degrau da escada até os nossos aposentos.

Ali mesmo, no escuro, temendo me acordar, apenas se despiu e deitou-se sem ao menos reparar a minha ausência. Logo cerrou os olhos e nisso uma pequena chama apareceu à porta e esta dançava à margem da parede deixando um rebento seu em cada vela nos castiçais que incrustados como diamantes embelezavam e iluminavam o quarto.

Ela percebeu a luz tomando conta da escuridão de seus olhos fechados e os abriu, tendo à sua frente a forma torva daquilo que parecia ser eu.

Antes de seu grito de horror espalhar-se por todos os corredores da casa em um pulo já a segurava com o peso do meu corpo e num beijo violento sugava suas forças calando se estrondoso choro. E então com toda a loucura e ferocidade que me acometia consumei o casamento, saciando-me com aquela pele alva, macia e quente que a cada investida estremecia e adormecia e amortecia até enfim entre meus dedos ser estrangulada sem sequer lutar contra, pois seu fio de vida já estava entre as duas lâminas de uma tesoura, entre as duas palmas de minha mão.

Ainda aproveitando o silêncio da noite, lavei-a em sais do jeito que mais a agradava quando viva e vesti-a com o mais belo de seus vestidos, após, no cercado onde davam as escadarias simulei o seu enforcamento deixando-a dependurada de frente ao hall de entrada esperando ali o primeiro espectador do espetáculo que ali eu montara.

Sabia que não tinha álibi, mas não precisaria dele para os próximos dias, para o termino do meu plano.

Logo de manhã sou acordado pelos gritos de um dos criados e desço já sabendo o que lá me esperava, mas atuando ao máximo e usando minha máscara translúcida, porém maciça. Lá a revejo e sacio-me incognitamente com sua pele arroxeada, enrugada e fria.

Lavando-a em falsos prantos desço-a levemente e a beijo como se estivesse querendo dar-lhe um sopro de vida para que pudesse de novo sugá-lo.

No enterro o vi, como também no velório e só esperava para a cartada final, quando eu ia soltar de uma vez por todas o meu verdadeiro eu, quando definitivamente rasgaria desde as suas raízes sugadoras de seiva até a última folha corrosiva daquela parasita que maculava minha grande árvore.

Alguns dias passaram-se e eu vivia cada vez mais recluso exceto pelas sessões de perguntas e respostas na delegacia, nas quais sempre dizia a verdade ou aquelas que me permitiam ficar algum tempo a mais livre.

E depois do último interrogatório chego a minha casa e lá alguém me esperava, alguém que esperei desde minhas primeiras aulas — tinham um negócio urgente a tratar comigo. Lembro-me bem. Eu odiava aquele homem com todo o ódio de um louco. Muitas e muitas vezes tinham os meus dedos ansiado por despedaçá-lo. Disseram-me que ele estava à minha espera. Subi apressadamente. Ele tinha uma palavra a dizer-me. Dispensei os criados. Era tarde e ficamos sós — pela primeira vez.

A princípio, evitei cuidadosamente fitá-lo, pois sabia que ele nem sequer imaginava — e eu me vangloriava disso — que a luz da loucura brilhava nos meus olhos como fogo. Ficamos sentados em silêncio, durante alguns minutos. Ele falou por fim. Minha recente devassidão e meus estranhos reparos, feitos logo depois da morte de sua irmã, eram um insulto à memória dela. Reunindo muitas circunstâncias que lhe haviam escapado a princípio, julgava que eu não a havia tratado bem. Queria saber se estava certo ao inferir que intentava conspurcar-lhe a memória e desrespeitar-lhe a família. O uniforme que vestia obrigava-o a exigir tal explicação.

Aquele homem tinha uma comissão no exército — uma comissão comprada com o meu dinheiro e com a miséria da irmã! Aquele era o homem que liderara o plano para agarrar-me e apoderar-se das minhas riquezas. Aquele homem fora o instrumento principal para obrigar a irmã a desposar-me, embora soubesse que o coração da rapariga pertencia ao mancebo choramingas. Seu uniforme! A libré de degradação! Voltei os olhos para ele — não podia evitá-lo —, mas não pronunciei palavra.

Contemplei a alteração que ocorreu nele debaixo do meu olhar. Era um homem intemerato, mas a cor fugiu-lhe do rosto e ele recuou a cadeira. Aproximei a minha da dele, ri — eu estava alegre naquele momento — e vi-o estremecer. Senti a loucura crescendo dentro de mim. Ele me tinha medo.

— O senhor gostava muito de sua irmã quando ela era viva — observei-lhe. — Muito.

Olhou inquieto à volta de si e vi sua mão agarrando o espaldar da cadeira; todavia não dizia nada.

— Canalha! — exclamei. — Peguei-te; descobri teus palnos infernais contra mim. Sei que o coração dela pertencia a outro antes de a obrigares a desposar-me. Sei disso… sei disso.

Ele saltou bruscamente da cadeira, brandiu-a no ar e intimou-me a recuar — pois eu tivera o cuidado de aproximar-me mais e mais dele enquanto falava.

Eu já não falava: gritava. Sentia paixões tumultuosas borbulharem-e nas veias e ouvia os velhos espíritos murmurarem, incitando-me a arrancar-lhe o coração.

— Maldito sejas! — disse eu, erguendo-me e atirando-me contra ele. — Matei-a, sim. Sou um louco. Vou matar-te. Sangue, sangue! Quero o teu sangue!

Com um golpe arranquei-lhe das mãos a cadeira com que, aterrorizado, me ameaçara, e atracamo-nos; com um pesado estrondo, caímos ambos ao chão.

Aquela foi uma bela luta, pois ele era um homem alto e forte, lutando pela própria vida, e eu um louco vigoroso, sedento por destruí-lo. Eu sabia que força nenhuma poderia equiparar-se à minha, e estava certo. Certo novamente, embora fosse um louco! Seus movimentos foram-se tornando cada vez mais débeis. Ajoelhei-me sobre seu peito e agarrei-lhe firmemente o pescoço musculoso, com ambas as mãos. Sua face começou a ficar congesta; os olhos saltavam-lhe das órbitas e, com a língua de fora, ele parecia zombar de mim. Apertei com mais força ainda.

A porta escancarou-se súbita e ruidosamente, e um grupo de pessoas irrompeu no aposento, gritando que detivessem o louco.

Meu segredo estava revelado, e só me restava lutar pela liberdade. Pus-me de pé antes que me lograssem agarrar, atirei-me contra os invasores e abri caminho com o braço, como se brandisse um machado, derrubando os que se me antepunham. Ganhei a porta, transpus o corrimão e, num átimo, achei-me na rua.

Deitei a correr, velozmente, e ninguém se atreveu a deter-me. Ouvi ruído de passos atrás de mim e redobrei de velocidade. O ruído da perseguição foi esmorecendo e, por fim, desapareceu, mas eu continuava a saltar sobre paus charcos, cercas e muros, com gritos selvagens que eram retomados pelos seres estranhos que me cercavam de todos os lados e devolvidos, ampliados, até rasgarem-se no ar. Eu eura tansportado nos braços de demônios que voavam no vento e que derrubavam ribanceiras e sebes, ao passar, fazendo-me girar e regirar com uma rapidez e um estrépido que me punham a cabeça à roda, até que, por fim, arremessaram-me de si, com um golpe brusco, e eu tombei pesadamente ao chão. Ao despertar, encontrei-me aqui — nesta cela alegre, onde a luz do sol dificilmente penetra, onde o luar só vem para mostrar-me as sombras negras que me circundam e aquela figura silente no seu velho canto. Quando estou desperto, na cama, posso às vezes ouvir estranhos uivos e gritos, vindos de partes distantes deste casarão. Que gritos e uivos são esses, não sei, mas não procedem nem de figura pálida, nem a ela se referem. Desde as primeiras sombras do entardecer até as primeiras luzes da madrugada, ali permanece ela, imóvel, no mesmo lugar, atenta à música da minha corrente de ferro e às cambalhotas que dou no meu leito de palha.