Olá pescadores de plantão agradeço por passarem aqui no meu Lago dos Sonhos e peço pra que, se possível, vcs deixem comentários sobre os textos, afinal sem eles naum terá como eu saber se estão ou não gostando do blog.


Também se puderem, deixem seu e-mail para q eu possa agradecer os comentários e a visita.


Bjus e espero que gostem


ASS: Pescador de Sonhos



quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Por mais que pensem ser eu

Por mais que pensem ser eu
Aquele que aqui tem escrito
Não sou nem fui outrora
Nem posso enfim o ser
Por mais que no fim se assine
Com um memorável nome de vidro
Não sou eu quem o possui
Nem fui nem posso ser
E se com ele se assina
Não é para pensarem ser eu
Mas para que quebre na língua da moça
Que diz ao amante me ter lido
Ao sofrer com cacos perfurantes
Que feriam a carne de seu céu
A cada fonema articulado
E se se assina é só por isso
Pois não posso ter nome algum
Já que nem carne nem osso eu tenho
O sangue não me rubra a pele
Pois nem sangue nem pele eu possuo
Sou só éter na mente daquele
Dono do nome de vidro
Éter volátil, furtivo
Que como nos últimos versos presente
Condensado em líquido fluido
Se esvai, se perde, se some
Como agora que se assina em vidro.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Admirável game novo


Sei lá, e se tudo fosse um game
Com meu joystick wi-fi
Eu controlaria a verdade
Como nem mesmo um escritor o faz
Daria ← + ↓ + → +O
Para no mercado escolher a maçã
Ou talvez usaria um cheat esperto
Para Poder subir de emprego
Daria um save na hora
Da incerteza do chaveco
E um load caso este fosso por água baixo
Bem que tudo poderia ser um game
Talvez eu fosse mais feliz
Num de montanhas de pixels
Um mundo a frente de mim.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Às moças de alma de naja


Às moças de alma de naja
De olhos feito os da traidora de Assis
Que hipnotizam seus brinquedos de barro
E fazem de alimento o seu ser
E se esgueiram pelas matas de seus pêlos
E se debruçam no vale de seus desejos
E se deleitam do fruto da carne
A vocês doces víboras
O meu profundo e odioso prazer
E o meu mais sincero gozo.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Showzinho do sinal vermelho


Olha lá de novo
Na cruz de piche da rua
Quando o olho vermelho de feitor
Obriga a parada do trânsito
E dá espaços a macaquinhos
Feitos bichos de circo de quinta
Malabares de piores categorias
Acrobacias de velhos decreptos
Vestuários de boca de lixo
Sorrisos de corpos moribundos
E ainda com maior graça
Como cachorro depois da baderna
Com seus olhos de fera acuada
Vem clamar por míseros centavos
Pela porcaria apresentada
— Ah! Desculpa colega
Hoje eu não tenho trocados!

sábado, 2 de julho de 2011

A pura Mentira


Sim
é isso
juro por deus-pai.
Pode perguntar a qualquer um que lá estava
Se lá ao menos estivesse alguém
Se lá ao menos existisse
Sei lá
Fora daquela criatividade
Fora daquela mentira
Que já ganhava porte
Que crescia e tomava forma.
Fora aquela enorme ratazana de peles
Em puro cancro
Fora ela o embrião da mentira
Que como vento em brasa
Seja até a mais simples brisa
Atiço capaz de iniciar o incêndio
Dar vida a um ser descomunalmente
grotesco
Ser este
A pura Mentira

segunda-feira, 14 de março de 2011

manuscrito de um louco (adaptado)


Sim! — de um louco! Como essa palavra não me teria gelado o coração muitos anos atrás! Como não teria despertado o terror que costumava acometer-me por vezes, fazendo com que o sangue me zunisse e latejasse nas veias, até que o frio orvalho do medo me cobrisse de gotas enormes a pele, e meus joelhos se pusessem a bater um contra o outro, de susto! Entretanto, gosto dela agora. É uma linda palavra. Mostrai-me o monarca cujo cenho carregado tenha sido alguma vez temido como o brilho dos olhos de um louco — cuja corda e cujo machado tenham a metade da firmeza das garras de um louco. Ho! ho! É esplêndido ser louco! Ser contemplado, por entre as grades de ferro, qual um leão feroz — rilhar os dentes e uivar no silêncio das noites sem fim, ao alegre tilintar de uma pesada corrente —, e rolar e estorcer-se sobre a palha, transportado por tão heróica música. Um hurra ao manicômio! Oh! Que belo Lugar!

Lembro-me dos dias em que temia ficar louco; em que costumava despertar sobressaltado e cair de joelhos e rezar para ser poupado à maldição de minha raça; em que, fugindo aos espetáculos de alegria e felicidade, ia-me ocultar nalgum lugar solitário e passava as horas tediosas observando o progresso da febre que me consumiria o cérebro. Sabia que a loucura estava no meu próprio sangue e na medula dos meus ossos!; que uma geração se passara sem a pestilência dar sinal de si e que eu seria o primeiro em quem ela haveria de reviver. Sabia que deveria ser assim: que assim sempre fora e assim sempre teria de ser; quando me enfiava nalgum canto obscuro de uma sala cheia de gente e via os homens murmurarem, apontarem-me com o dedo e voltarem os olhos para mim, sabia que falavam entre si do louco predestinado; fugia, então, novamente para cismar na solidão.

Fiz isso durante anos, longos, longos anos. As noites aqui são longas por vezes — muito longas; mas não se comparam àquelas noites inquietas, cheias de sonhos terríveis. Gela-me o sangue só de recordá-las. Grandes formas torvas, de rostos maliciosos e zombeteiros, povoavam os cantos do quarto e inclinavam-se sobre o meu leito, à noite, tentando-me para a loucura. Diziam-me sussurrantes que o chão da velha casa onde meu pai morrera estava manchado pelo seu sangue, derramado pelas suas próprias mãos durante os ataques de loucura furiosa. Eu tapava os ouvidos, mas elas gritavam-me junto à cabeça, até que o quarto todo ressoasse que na geração anterior a ele a loucura não se manifestara, mas que seu avô passou anos com as mãos agrilhoadas ao solo, a fim de evitar que se espedaçasse a si mesmo. Eu sabia que diziam a verdade — sabia-o bem. Descobrira tudo anos antes, Embora tivessem tentado ocultar-mo. Ha! ha! aquele a quem julgavam louco era esperto demais para eles.

Finalmente, a loucura se apoderou de mim e eu me admirei de havê-la sempre temido. Poderia ingressar no mundo, agora, e rir e gritar como todos os homens. Eu sabia estar louco, mas eles nem sequer suspeitavam disso. Como me deliciava ao pensar na bela peça que estava a pregar-lhes; haviam-me apontado e espreitado, julgando que eu não estivesse ainda louco, mas em vias de endoidecer. E como eu me ria alegremente, quando, ainda com aquela voluptuosidade convidativa, as mocinhas na praça me olhavam. Podia desejá-las, desejar aquele corpo junto ao meu, deslizando e trajando-me em peles, deixando que de um beijo longo minhas mãos alisassem sua alvez dos pés ao pescoço e aí o fim, o de uma noite e de uma vida.

Mas o que era enfim uma vida? Antes de meu destino genético vir à tona eu via a vida como algo entre o nascer e o morrer, já nesta minha condição de sanidade nem tudo se diferia, uma vez que ainda era algo entre o nascer e o morrer, entre o parto e a morte prematura entre meus dedos e enfrente aos meus golpes.

Já não havia vida sem isso, nem minha nem de todos os outros ao meu redor. Aliás, esses outros, sempre só tiveram vida por minha causa. Eram apenas parasitas dispersados pelo tronco de minha árvore genealógica, chego a pensar que são a causa da mácula que fere tal árvore que ferira meu pai, bisavô e outros antecessores meus, que fere deliciosamente a mim.

Talvez por isso não os odeie tanto, somente tinha aquele ódio comum de louco, ódio que ataca até a própria sombra, se não a si próprio.

Contudo havia uma família que me embebia em cóleras. Enquanto a maioria das pessoas da cidade não passava de reles ervas daninhas que se aproveitavam da sombra e do húmus que minha árvore produzia, quando muito orquidáceas que usavam o tronco como apoio, aquela família era a parasita-mor que sugava da nossa seiva como se somente ali tivessem algum sustento.

Por tal motivo não éramos simplesmente banidos da cidade. Servíamos a ela até o nosso destino apoderar-se do nosso consciente, ou melhor, do nosso subconsciente uma vez que mesmo já louco, pelo menos eu, ainda sabia ocultá-lo deles.

Mas meus níveis subiam a cada noite, a cada conversa com as entidades, as quais já os apresentei. Apresentei, mas como formas torvas, sim eram torvas e ainda tinham formas, elas eram três: uma tinha olhos enormes e fundos tanto que pareciam não existir, mas eles estavam ali presentes fitando o meu progresso como um mestre, o aprendiz; a outra possuía asas que uivavam a cada bater fora isso mostrava-se normal, tanto quanto eu; já o último se mostrava o mais tenebroso deles, era a loucura em persona, ela possuía olhos amarelo-esverdeados com várias veias saltando-lhe afora, seus dentes pareciam serrotes que foram deixados na praia e que a maresia fez o favor de cobrir com uma crosta de ferrugem, ele sempre andava curvado apesar de não ser corcunda, pelo contrário tinha uma coluna deveras boa que se contorcia a cada movimento escandaloso que ele fazia, seus ossos eram perfeitamente visíveis e se percebia que somente eles o dava uma força descomunal.

Eram eles que de simples aparições tentadoras passaram a professores de um louco noviço, mas já adiantado em matérias de loucura.

Pouco a pouco minha sanidade se tornava apenas uma máscara que ia a cada dia ficando transparente até o momento em que minha loucura tomasse conta de mim

Contava os dias para isso, mas não queria apressar, sabia que perder a sanidade repentinamente me deixaria descontrolado ao ponto de eu não poder desfrutar do meu estado, não poder usar isso na vingança que estava a tramar com a ajuda de meus três mestres.

Clara era linda, minha loucura me deixava atestar isso, como o nome eram seus cachos que desciam perolando a cada infindável volta, seu rosto angelical contrastava-se no meu quando os nossos olhares se cruzavam e se desviavam como presas furtivas ao ataque do predador

Sim era linda, mas pertencia à família de parasitas a qual eu queria a todo custo destruir, nem que para isso precisasse enjaular meu outro eu por algum tempo.

Aos poucos fui me aproximando da menina, que se afastava assim que podia, contudo eu me aproximava de modo que seu irmão percebesse que eu estava mostrando interesse por ela.

Feito isso a primeira parte do plano se concluía. Estava prestes a desposar Clara, que obrigada pelo seu irmão aceitou meu pedido como um gênio, o de seu amo.

Pensei sim que seria fácil, mas nunca pensara que a ganância daquela família seria tanta ao ponto de entregar tão desesperadamente um de seus frutos às mãos de um possível futuro louco.

Dia do casamento, cadeiras à esquerda convidados da noiva, à direita toda a cidade de ervas daninhas e três lugares vazios. Vazios aos ditos olhos sãos, porque aos meus ali residiam meus três mestres, talvez pela primeira vez a me aparecerem em público.

Algumas lágrimas caíram, sendo as da noiva as mais numerosas, ainda mais quando após o soluçoso sim viramo-nos e lá ao fim do tapete vermelho um homem feito fitava os olhos de minha agora esposa e como ela se lavava em lágrimas das quais me orgulhei ter feito serem derramadas.

Lua-de-mel não a obriguei a nada, sabia que se caso o fizesse perderia o controle, somente dormimos, ou melhor, deitamos lado a lado, ela sempre temendo pelo pior e eu querendo o meu melhor. Nesta noite as três entidades não me apareceram, creio que não quiseram estragar nosso plano.

Aguentei essa vida durante alguns anos sempre controlando minha loucura inevitável, queria saborear aos poucos minha transformação até o ponto máximo, até as jaulas da minha sanidade enferrujarem e cederem por completo, deixando a minha fera interior livre de todas as correntes que a civilização lha impunha.

E como numa mostra do quão poderosa poderia ser tal fera, aquela noite veio à tona.

Minha esposa disse querer ir visitar seu irmão e a deixei, era logo pela manhã e ela almoçaria e jantaria por lá. Talvez quisesse chorar ao crápula por tê-la deixado casar-se comigo, como às vezes fazia consigo mesma quando chegava a noite.

Aproveitei-me de sua ausência para exteriorizar minha loucura a fim de acalmar a besta inquieta, e dispensando a criadagem fui ter minhas aulas, das quais me ausentei por muito tempo.

O dia passava e meus gritos reclusos chocavam-se contras as paredes da mansão e ali ecoavam de modo a permanecerem dentro do prédio presos como aquele animal selvagem que eu me tornava hora a hora.

E à noite ela chega, percebe o silêncio, mas nele não se sente mal, afinal já anoitecera há tempos, todos haviam de ter ido dormir.

Ainda mansamente meus amarelados olhos a seguia naquela quietude da casa, seus pés subiam calma, mas desconfiadamente, cada degrau da escada até os nossos aposentos.

Ali mesmo, no escuro, temendo me acordar, apenas se despiu e deitou-se sem ao menos reparar a minha ausência. Logo cerrou os olhos e nisso uma pequena chama apareceu à porta e esta dançava à margem da parede deixando um rebento seu em cada vela nos castiçais que incrustados como diamantes embelezavam e iluminavam o quarto.

Ela percebeu a luz tomando conta da escuridão de seus olhos fechados e os abriu, tendo à sua frente a forma torva daquilo que parecia ser eu.

Antes de seu grito de horror espalhar-se por todos os corredores da casa em um pulo já a segurava com o peso do meu corpo e num beijo violento sugava suas forças calando se estrondoso choro. E então com toda a loucura e ferocidade que me acometia consumei o casamento, saciando-me com aquela pele alva, macia e quente que a cada investida estremecia e adormecia e amortecia até enfim entre meus dedos ser estrangulada sem sequer lutar contra, pois seu fio de vida já estava entre as duas lâminas de uma tesoura, entre as duas palmas de minha mão.

Ainda aproveitando o silêncio da noite, lavei-a em sais do jeito que mais a agradava quando viva e vesti-a com o mais belo de seus vestidos, após, no cercado onde davam as escadarias simulei o seu enforcamento deixando-a dependurada de frente ao hall de entrada esperando ali o primeiro espectador do espetáculo que ali eu montara.

Sabia que não tinha álibi, mas não precisaria dele para os próximos dias, para o termino do meu plano.

Logo de manhã sou acordado pelos gritos de um dos criados e desço já sabendo o que lá me esperava, mas atuando ao máximo e usando minha máscara translúcida, porém maciça. Lá a revejo e sacio-me incognitamente com sua pele arroxeada, enrugada e fria.

Lavando-a em falsos prantos desço-a levemente e a beijo como se estivesse querendo dar-lhe um sopro de vida para que pudesse de novo sugá-lo.

No enterro o vi, como também no velório e só esperava para a cartada final, quando eu ia soltar de uma vez por todas o meu verdadeiro eu, quando definitivamente rasgaria desde as suas raízes sugadoras de seiva até a última folha corrosiva daquela parasita que maculava minha grande árvore.

Alguns dias passaram-se e eu vivia cada vez mais recluso exceto pelas sessões de perguntas e respostas na delegacia, nas quais sempre dizia a verdade ou aquelas que me permitiam ficar algum tempo a mais livre.

E depois do último interrogatório chego a minha casa e lá alguém me esperava, alguém que esperei desde minhas primeiras aulas — tinham um negócio urgente a tratar comigo. Lembro-me bem. Eu odiava aquele homem com todo o ódio de um louco. Muitas e muitas vezes tinham os meus dedos ansiado por despedaçá-lo. Disseram-me que ele estava à minha espera. Subi apressadamente. Ele tinha uma palavra a dizer-me. Dispensei os criados. Era tarde e ficamos sós — pela primeira vez.

A princípio, evitei cuidadosamente fitá-lo, pois sabia que ele nem sequer imaginava — e eu me vangloriava disso — que a luz da loucura brilhava nos meus olhos como fogo. Ficamos sentados em silêncio, durante alguns minutos. Ele falou por fim. Minha recente devassidão e meus estranhos reparos, feitos logo depois da morte de sua irmã, eram um insulto à memória dela. Reunindo muitas circunstâncias que lhe haviam escapado a princípio, julgava que eu não a havia tratado bem. Queria saber se estava certo ao inferir que intentava conspurcar-lhe a memória e desrespeitar-lhe a família. O uniforme que vestia obrigava-o a exigir tal explicação.

Aquele homem tinha uma comissão no exército — uma comissão comprada com o meu dinheiro e com a miséria da irmã! Aquele era o homem que liderara o plano para agarrar-me e apoderar-se das minhas riquezas. Aquele homem fora o instrumento principal para obrigar a irmã a desposar-me, embora soubesse que o coração da rapariga pertencia ao mancebo choramingas. Seu uniforme! A libré de degradação! Voltei os olhos para ele — não podia evitá-lo —, mas não pronunciei palavra.

Contemplei a alteração que ocorreu nele debaixo do meu olhar. Era um homem intemerato, mas a cor fugiu-lhe do rosto e ele recuou a cadeira. Aproximei a minha da dele, ri — eu estava alegre naquele momento — e vi-o estremecer. Senti a loucura crescendo dentro de mim. Ele me tinha medo.

— O senhor gostava muito de sua irmã quando ela era viva — observei-lhe. — Muito.

Olhou inquieto à volta de si e vi sua mão agarrando o espaldar da cadeira; todavia não dizia nada.

— Canalha! — exclamei. — Peguei-te; descobri teus palnos infernais contra mim. Sei que o coração dela pertencia a outro antes de a obrigares a desposar-me. Sei disso… sei disso.

Ele saltou bruscamente da cadeira, brandiu-a no ar e intimou-me a recuar — pois eu tivera o cuidado de aproximar-me mais e mais dele enquanto falava.

Eu já não falava: gritava. Sentia paixões tumultuosas borbulharem-e nas veias e ouvia os velhos espíritos murmurarem, incitando-me a arrancar-lhe o coração.

— Maldito sejas! — disse eu, erguendo-me e atirando-me contra ele. — Matei-a, sim. Sou um louco. Vou matar-te. Sangue, sangue! Quero o teu sangue!

Com um golpe arranquei-lhe das mãos a cadeira com que, aterrorizado, me ameaçara, e atracamo-nos; com um pesado estrondo, caímos ambos ao chão.

Aquela foi uma bela luta, pois ele era um homem alto e forte, lutando pela própria vida, e eu um louco vigoroso, sedento por destruí-lo. Eu sabia que força nenhuma poderia equiparar-se à minha, e estava certo. Certo novamente, embora fosse um louco! Seus movimentos foram-se tornando cada vez mais débeis. Ajoelhei-me sobre seu peito e agarrei-lhe firmemente o pescoço musculoso, com ambas as mãos. Sua face começou a ficar congesta; os olhos saltavam-lhe das órbitas e, com a língua de fora, ele parecia zombar de mim. Apertei com mais força ainda.

A porta escancarou-se súbita e ruidosamente, e um grupo de pessoas irrompeu no aposento, gritando que detivessem o louco.

Meu segredo estava revelado, e só me restava lutar pela liberdade. Pus-me de pé antes que me lograssem agarrar, atirei-me contra os invasores e abri caminho com o braço, como se brandisse um machado, derrubando os que se me antepunham. Ganhei a porta, transpus o corrimão e, num átimo, achei-me na rua.

Deitei a correr, velozmente, e ninguém se atreveu a deter-me. Ouvi ruído de passos atrás de mim e redobrei de velocidade. O ruído da perseguição foi esmorecendo e, por fim, desapareceu, mas eu continuava a saltar sobre paus charcos, cercas e muros, com gritos selvagens que eram retomados pelos seres estranhos que me cercavam de todos os lados e devolvidos, ampliados, até rasgarem-se no ar. Eu eura tansportado nos braços de demônios que voavam no vento e que derrubavam ribanceiras e sebes, ao passar, fazendo-me girar e regirar com uma rapidez e um estrépido que me punham a cabeça à roda, até que, por fim, arremessaram-me de si, com um golpe brusco, e eu tombei pesadamente ao chão. Ao despertar, encontrei-me aqui — nesta cela alegre, onde a luz do sol dificilmente penetra, onde o luar só vem para mostrar-me as sombras negras que me circundam e aquela figura silente no seu velho canto. Quando estou desperto, na cama, posso às vezes ouvir estranhos uivos e gritos, vindos de partes distantes deste casarão. Que gritos e uivos são esses, não sei, mas não procedem nem de figura pálida, nem a ela se referem. Desde as primeiras sombras do entardecer até as primeiras luzes da madrugada, ali permanece ela, imóvel, no mesmo lugar, atenta à música da minha corrente de ferro e às cambalhotas que dou no meu leito de palha.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Como


É como acordar sozinho

Num canto escuro açoitado

É como olhar para o teto

E vê-lo não ser o de ontem

É como sentir um vazio

Que corrói como solvente ácido

É como estar defronte

Com aquela que estava ao seu lado


Eu como as minhas memórias

Como uma praga a plantação

Eu como as minhas mentiras

Como um mendigo esfomeado

Eu como como criança

Porcarias, lama e pecado

Eu como e vomito em palavras

Como o poeta sem coração

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Vagas lembranças


Vi-te hoje, foi estranho.

Estava eu de volta às minhas aulas de karatê, com aquele kimono unicolor, andando em círculos como mandara meu sensei. Ichi – Ni – San – Yon – Go, e assim por diante, até ver na janela o seu rostinho de princesa me olhando com aquele sorriso meigo, pelo qual eu havia me apaixonado.

Me desliguei da contagem de voltas, afinal você estava ali na janela me olhando. Não que tenha sido sua culpa, ela foi toda minha. Era eu o tolo apaixonado que te olhava embasbacado com a beleza que aquela garotinha podia ter.

Não sabia se já chegara à tão esperada volta Ni Ju, só corria e te olhava, até trombar com meu sensei com seu ar reprovador. Já não ligava mais para aquele olhar, aquele que me importava estava ali na janela ou era o que eu pensara ao te procurar para o último sorriso de adeus. Não havia nem vestígios seus naquele batente, talvez não houvera nem seu sorriso meigo.

Meu corpo gelara na hora e ao piscar meus olhos lá eu estava atrás da escola cavando pequenos buracos para guardar os nossos tesouros. Estávamos em amigos, mas para que eles, se já a tinha ao meu lado. Pegamos um na mão do outro e fomos para nossa aventura, passaríamos por um estreito: de um lado um precipício com seus intermináveis cento e cinquenta centímetros do outro uma floresta de espinhos que dava para a cerca da escola. Nossa missão era simples chegar ao outro lado e cada um pegar um pedaço do diamante que nos esperava no final do caminho.

Íamos eu a sua frente e você atrás segurando a minha mão. A passagem era difícil, mas estávamos juntos e isso me dava a força para continuar o caminho, sempre olhando para ver os seus lábios perguntando se já estávamos perto. Eu sempre dizia que estava logo ali, sabendo que logo ali nunca chegaria, aos poucos chegávamos a parte escarpada do estreito e lá era onde morava o nosso medo, se caíssemos tínhamos que começar tudo de novo e o recreio já se acabava.

Ao chegar mais perto virei para dizer que não se preocupasse, iríamos passar, mas onde você estava, como lá na aula de karatê você sumiu sem ao menos dizer adeus.

Sem pensar duas vezes pulei do precipício e como num último suspiro vi tudo a minha volta mudado, pessoas, várias delas, olhando para nós dois como se fossemos o centro das atenções, na verdade éramos. Eu de preto e você resplandecendo em puro marfim, liderávamos uma fila enorme de caipiras rebolantes que seguiam a nós e a uma voz que vinha do além, que trazia chuva, animais peçonhentos e obstáculos ao nosso passeio. Tudo que a voz dizia fazíamos, éramos marionetes puxadas por fios de onda sonoras, mas quem se importava com isso, a tinha depois de perdê-la já duas vezes, surfaria naquelas ondas, se na minha prancha você estivesse. Seguíamos as ordens da voz até aquela que me aterrorizava a alma. Ouvi estrondosamente como trovões a voz ordenar “Segue dama” e nisso vi-te ir para às mãos do caipira a nossa frente e às minhas também veio outra e outras, mas nunca a sua dávamos voltas infinitas. Ichi – Ni – San – ... – Hyaku – ... – Mugen.

E de novo sem ver rosto pela última vez. Poderia ter doído mais caso o visse e soubesse ser a última, mas ao menos eu saberia que era adeus.

Por que você fez isso? Será que mereço te procurar pra saber que não está mais ao meu lado. Quero que saiba que te esperei, intermináveis anos esperei. Ao menos pra te ver, dizer, não que gostava de você, mas que te amava, te amava como homem e não como o menininho de dez anos que era, talvez você não me amasse como eu amava ou como te amo ainda hoje.

Sei o porquê de você não estar aqui, não te culpo e nem a ninguém, apesar de parecer, mas ainda sim te esperei.

Espero ainda agora enquanto abraço meu travesseiro já ensopado pelos reflexos da minha memória que pelo meus olhos transbordaram. Espero, talvez em vão, porque é fácil ter vagas lembranças o difícil é sê-las no coração de quem se ama.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Ecle 3, 1-20


queria ser potro selvagem
que corre sem direção
que dorme na relva orvalhada
que cresce e se torna alazão
que cruza a vida cruzando
que gera a nova geração
que cruza desertos, campinas
que cruza qual brisa, tufão
que cruza areias de praias
que morre nos mares, paixão
pois todos os que da água vieram
a água retornarão