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ASS: Pescador de Sonhos



sexta-feira, 30 de abril de 2010

Ideologia de Narciso

[desculpem a demora das postagens, to sem net :( ]

Seu olhar nunca havia mentido para mim, era certo que algo me escondia, mas o quê? O que fazia suas pernas tremerem ao perguntar onde estava, mesmo que em minha voz eu forçosamente escondia a desconfiança?
Nunca soube responder, na verdade sabia, mas não queria saber. A cada uma de suas saídas via minha curiosidade ser atiçada, mas eu não procurava simplesmente descobrir o que fazia sondando-a. Minha natureza investigativa me obrigava a sondar a minha mente para procurar, com meus próprios pensamentos, intuir o que ocorria.
Sempre fiz isso. Desde quando bebês eram entregues pelas cegonhas, solucionava casos da vida com o simples observar dos fatos, fui obrigado a passar a fase do “Por quê?” mudamente pelo meu avô que treinou-me a não precisar de ninguém muito menos nas horas de dúvida.
Segundo ele e sua teoria desenvolvida junto a um colega: as pessoas vivem a enganar às outras e a si mesmas. Por mais que exista uma série de outros sentimentos acima de tudo há o egoísmo, sendo os restantes meros variantes deste último que era o único e unânime sentimento no mundo, portanto um simples sinônimo de sentimento.
Durante mais dois ou três anos passei a pensar se seguia ou não a ideologia do velho enquanto este me treinava nela e aos poucos intuí por conta própria que já estava atrelado a tal ideologia, tudo que eu fazia estava voltado ao que ele ensinara a mim antes de morrer. Ainda infante com meus cinco anos de idade passei a desenvolver a tese do falecido, assim nos primeiros anos de escola minha mente já estava socialmente formada na ideologia de Narciso.
Minha intuição era cada vez mais exata e ágil, portanto minhas notas eram sempre excelentes apesar de minha frequência às aulas ser notavelmente baixa. Até chegar à conclusão de que a escola não me servia mais fiz minha freqüência ir de baixa a nula de uma semana à outra, desse modo desvinculei-me totalmente dessa entidade já que, como de nada, também não precisava dela.
Com apenas onze anos passei a intuir que outra instituição já não valia a pena, e nesta idade fugi na certeza de nunca mais voltar, nem por contra própria e nem por outrem, à minha casa.
Já nos meus quinze percebi que não precisava mais de ninguém, já me bastava por si só. Dinheiro eu conseguia como detetive particular; morada, com dinheiro; solidão, com morada; e me aprofundar na ideologia do defunto, com solidão.
Os casos mais freqüentes que eu resolvia e por sua vez os mais fáceis eram os de traição. Eu via o parceiro do cliente traindo-o ou não só de olhar para tal cliente, tudo era óbvio nestes casos: por mais que os locais de encontro fossem inusitados e originais um letreiro luminoso sempre aparecia diante de meus olhos “Aqui fulano trai cicrano com beltrano”. Como eu disse tudo era óbvio nestes casos, antes de Lia.
Esta morava próximo ao escritório que eu montara com o dinheiro dos cornos e dos que não o eram (mas viriam a ser por regra geral) que me contratavam. A primeira vez que a vi foi como ter a minha frente um espelho, um reflexo meu nela, e com isso intuía que aos poucos eu me entregaria ao egoísmo amor e que uma hora ou outra seria o meu mais novo cliente, e como sempre eu acertei mais uma intuição.
Eu sabia que era traído, como também anteriormente sabia que seria. Na lógica era para estar conformado, mas sem que eu compreendesse não estava.
Agora não mais me perguntava “o quê?” (pergunta que fazia para apaziguar minha guerra interior) me perguntava “por quê?” (pergunta-estopim para que uma nova batalha recomeçasse). Minha mente provava por “a + b” que eu era traído, contudo o idiota do coração não queria acreditar, fazia-me persistir no mesmo erro, erro que eu cometera há um ano passando a viver com Lia.
Por mais que o egoísmo me prendesse a ela, estar ali sempre ao seu lado ia contra tudo o que o velho me ensinara, tal sina corroia meu corpo como a ferrugem, o ferro. Tinha de me separar dela, mas não conseguia. Até perceber que era ela quem deveria afastar-se de mim.
Passei a criar maneiras para fazer com que ela definitivamente não se visse em mim, já que eu não conseguia não me ver nela, desse modo fui me tornando cada vez mais insuportável a ela quanto aquela guerra era para mim. Até que um dia Lia começou a me observar com o mesmo olhar que eu fazia ao observar um caso, olhar que até então pensei ser exclusivo dos seguidores da ideologia de Narciso. Com a mesma expressão ela disse:
— Por que ainda persiste nesta ideologia que só o destrói? – simplesmente não entendi nada. “Quem era aquela descrente para conhecer a ideologia que o defunto me ensinara?” Ela continuou em tom de deboche – bem que meu pai dissera que seu colega levava muito a sério aquele negócio de ideologia.
Eu não podia somente ouvir e emudecer-me, então intuindo o que para mim já estava óbvio retruquei:
— Agora entendo o motivo do olhar, você também foi criada na ideologia de Narciso.
— Criada fui, mas da maneira certa – ela disse com um ar que para mim é o de prepotência.
— Maneira certa? Não existe maneira certa ou errada, só há uma maneira a que o defunto e seu pai criaram e na qual crescemos.
— Como disse, meu pai sempre dizia que aquele velho levava muito a sério a ideologia, pelo que deduzi você se isolou da sociedade fugindo do egoísmo, contudo não é da natureza humana esquecer o seu ego, o seu próprio egoísmo, aí está o erro da sua formação. Quem entra muito a fundo na ideologia de Narciso, privando-se do egoísmo do mundo e acima de tudo o seu próprio egoísmo forma em si um botão de autodestruição e pelo que eu vejo o seu já está completo há tempos só restando a você esquece-lo, reavendo o seu ego ou apertá-lo de vez, continuando com aquilo que acreditara seu avô.
Ao final de sua fala percebi que a guerra terminara de vez, como ela ousava por em xeque a ideologia do velhote e me dar alternativas para seguir. O espelho que via nela estilhaçou-se inteiramente, e meu coração no mesmo estado custava a recompor-se da perda da guerra.
Saí da casa onde morávamos e comecei a andar sem rumo, procurando como sempre deduzir o que acabara de acontecer até perceber que aquela que minutos antes fora minha amada passou a me estudar desde a primeira vez que me vira, testou-me procurando saber como era o ápice da ideologia que o defunto e seu pai desenvolveram. Eu que procurava afastar-me cada vez mais acabei me tornando um experimento da ideologia de Narciso.
Por um instante admirei a perspicácia e audácia com a qual Lia usou-me, criando e mascarando sentimentos, confundindo a minha intuição. Até que me percebi numa ponte, neste momento intuí pela última vez uma só coisa: apertar definitivamente o botão do qual Lia me havia falado.