Raios, trovões. Luzes que refletem sombras. Medo. Luzes instantâneas, momentâneas. Tudo conspirava com o estado mais pútrido da formação terrena naquele dia. Dia do mais puro ódio e rancor de minha perdida alma. Mas não vou me vangloriar por ter feito o que irei narrar, nem devo fazer tal coisa, já que qualquer outro homem poderia tê-lo feito, porém só a minha pessoa teve a infelicidade de fazê-lo.
Minha vida já foi pacata e sem pensamentos maquiavélicos. Um exemplo disso foi quando eu a conheci: seu corpo bronzeado pelo Sol do meio-dia, seu rosto recoberto pela beleza das ninfas gregas, suas curvas feito pétalas de uma rosa cristalina.
Eu caminhando pela praia sentindo o ar da pureza a vi sentada na areia. Vi meu coração parar no segundo que observei aquele olhar. Ela olhava o horizonte sorrindo, como quem vê um futuro lindo, como quem vê a felicidade voar como um pássaro em sua direção numa intensidade lenta e descompassadamente infinita. Mas com o tempo eu engaiolei aquele pássaro.
Começamos a nos encontrar depois daquele dia, meu coração se transformara em terra fértil, que a cada visita que ela me fazia era regado com doçura e, segundo ela, com a mais pura amizade já existida entre duas pessoas. Contudo eu não queria sua amizade, como eu seria amigo daquela que roubou meu coração. Como eu já disse, eu não queria a sua amizade, quem eu queria era ela.
O tempo passou. A terra fértil já dava flores e frutos, porém mesmo assim ainda era regada com a amizade. Uma amizade grande, tão grande que nela não havia segredos, tão grande que nela não havia desentendimento, e por essa amizade imensa, ela decidiu me apresentar seu namorado. Quando ela usou estas palavras, meu corpo gelou ao ponto de igualar-se a temperatura que ele está hoje, eu disse que não via a hora de conhecê-lo, contudo na terra fértil do meu coração brotaram ervas daninhas e chocaram ovos de diversas pragas a corroê-lo.
Fui ao encontro, era num restaurante. Várias pessoas jaziam no local, várias testemunhas de um crime que eu estava prestes a cometer, adiado por tão óbvias circunstâncias. Conversei calmamente com os dois, não poderia ser diferente disso. Ria, sorria e fazia rir. Ver os dois abraçados, conversar sobre o como se conheceram. Tudo ia as mil maravilhas, mas não para mim.
Aquela noite foi longa e outras vieram até a chuva cair. Chuvas litorâneas sempre são obscuras: ventos cortavam feito navalha; raios rasgavam o céu, logo remendados com a penumbra da velha noite; grossas nuvens avançavam mais rápido que o pássaro da felicidade.
No meu coração uma só planta ainda restara: uma árvore imensa plantada no momento que eu vi o meu amor, mas esta eu fiz questão de derrubar com minhas próprias mãos.
Antes de cair a tempestade, fui para a casa de minha até então amada, como fazia todo o dia. Conversamos durante horas, até ela olhar pela janela e ver aquela nuvem negra tapando o horizonte. Disse que seria melhor eu ir para casa. Fingi ter ido.
Ao cair o primeiro raio começaria a pior noite da vida daquela pobre garota destruidora de corações. Ouve-se o estrondo, até as lâmpadas dormiram com o susto do barulho. Vários outros trovões. Ela ficou sentada imóvel olhando a infinidade tapar seus olhos. Dos vários trovões um cai bem atrás de minha pessoa jorrando uma luz intensa para dentro do quarto. Toda a infinidade se transformara em quatro paredes tendo em uma delas, o meu reflexo.
Seu grito de espanto ecoa até hoje em meus pensamentos, era maravilhoso ver seu olhar de culpa, era linda a sua face repleta de medo, a forma que seu coração batia fazia eu me apaixonar ainda mais por aquele ser. Outros trovões caiam, nestes ela fechava os olhos como medo de outra aparição.
Chamei o seu nome, minha voz tomava um sentido macabro, não era mais eu que estava lá, então esse outro eu gemia o nome da minha amada. E essa por sua vez tentava andar na escuridão de sua casa. Esbarrar em objetos, e bater de frente a paredes, para ela se tornava normal.
Meu outro eu esperava minha amada vir a seu encontro, não queria fazer o mesmo que ela estava fazendo. Luzes mostravam o caminho da morte. Ela o seguia como se fossem as migalhas de pão de João e Maria. Migalhas mofadas e podres, que levavam a um destino mais podre ainda.
A chuva cessa, as luzes voltam em meia fase. Na cozinha um estojo de facas. Na cozinha o encontro final. Já cheia de hematomas devido aos tropeços da fuga, ela para em frente ao meu outro eu. Corre e o abraça.
Como foi bom aquele abraço. Como foi bom sentir a fúria daquele ser ao abraçá-lo. Sentir ofegante seu coração acelerado. Sentir o peso da arma branca em minhas mãos. Sentir a lâmina penetrar nas costas dela. Sentir os dentes do serrote cortando a grande árvore do amor.
Hoje sinto meu corpo estremecer com essa história. Sinto a minha alma queimar no inferno. Sinto o sangue de minha amada entrar em contato com o meu, na mesma lâmina daquela faca.
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